23 de agosto de 2010

O rico diálogo entre o pentecostalismo e o protestantismo histórico

Posto aqui um EXCELENTE texto escrito por Gutierres Siqueira, ao blog Cristo e Liberdade, do presbiteriano André Tadeu.
 
Em 1901 nascia o pentecostalismo moderno com o metodista Charles Fox Pahram. Mas 1906, com os cultos dirigidos por William Joseph Seymour, um descendente de escravos, o pentecostalismo se popularizou no mundo a partir de Los Angeles, nos Estados Unidos. No decorrer da história cristã, vários foram os momentos onde a manifestação dos dons espirituais aconteceram, mas a consolidação doutrinária e prática dos carismas se deu com o pentecostalismo de Seymour. Este artigo trata do crescente benefício para cristãos tradicionais e pentecostais de um diálogo sobre a manifestação do Espírito Santo na contemporaneidade.


Da rejeição ao abraço


O pentecostalismo nascente não teve boa recepção pelas igrejas tradicionais. O pioneiro William Seymour e sua turma eram espontâneos e barulhentos, além disso aceitavam ampla participação de leigos e mulheres na liturgia. Outro grande escândalo foi a associação de negros e brancos que louvavam a Deus juntos! No meio do racialismo reinante na Califórnia do início do Século XX, Seymour e os demais frequentadores dos cultos na Azuza Street quebraram muitos paradigmas. Não é à toa que a oposição ao pentecostalismo nas igrejas tradicionais não era mera discordância doutrinária, mas uma reação contra essas novidades.


Mas o tempo passou. O pentecostalismo mudou para melhor e para pior. As igrejas tradicionais também mudaram. O fundamentalismo cessacionista perdeu espaço, e poucos ainda associam o falar em línguas com uma ação demoníaca, como fez John MacArthur Jr no livro Carismáticos (Editora Fiel). E teólogos reformados como Vincent Cheung já sabem distinguir a teologia pentecostal produzida por nomes sérios como Donald Gee e Gordon Fee, das bizarrices de Kenneth Hagin e Benny Hinn.


Outros exemplos mostram com a pregação pentecostal ganhou espaço no protestantismo histórico. Wayne Gruden é um teólogo reformado que pode ser chamado de pentecostal, pois sua teologia dos dons espirituais é claramente aberta. O neocalvismo, do emergente Mark Driscoll, também abraça os dons espirituais como prática contemporânea. No Brasil, denominações evangélicas tradicionais, como a Igreja Presbiteriana Independente e Diocese Anglicana de Recife aceitam o valor dos dons espirituais para o exercício no culto. Não são igrejas que se tornaram “renovadas”, mas que deixaram o cessacionismo como teologia oficial. No contexto batista, por exemplo, o Rev. Enéas Tognini, pioneiro do movimento de renovação, é pastor emérito da Igreja Batista de Perdizes.

Em entrevista para o Blog Teologia Pentecostal, o bispo anglicano Robinson Cavalcanti afirmou:

A grande maioria dos líderes de peso na Comunhão Anglicana creem na contemporaneidade dos dons espirituais, temos um Movimento Anglicano de Renovação (Carismática), e a Conferência de Lambeth (que reúne os bispos do mundo inteiro) já aprovou uma Resolução nos exortando a uma aproximação positiva com o mundo pentecostal. Em nossa Diocese do Recife quase todo mundo é “mussarela e calabresa”, ou seja, meio histórico e meio renovado... [1]


Outros exemplos de interação podem ser mencionados. Hoje, vários eventos no país contam com presbiterianos e assembleianos juntos, o que mostra o avanço de ambos os lados. Anglicanos buscam os dons conforme orientação paulina (cf. 1 Co 14), enquanto pentecostais leem John Stott, J. I. Packer, C. S. Lewis e outros teólogos da igreja inglesa. Metodistas louvam cânticos de grupos advindos do pentecostalismo, enquanto pentecostais relembram suas raízes teológicas wesleyanas. E hoje há até um crescente movimento de pentecostais calvinistas.

A “Reforma Pentecostal”: Relembrando o Espírito Santo

A “reforma pentecostal” lembrou aos protestantes tradicionais que o Espírito Santo e a sua manifestação carismática não poderiam ser deixados de lado. A manifestação dos dons é uma expressão de comunhão, não tendo nada a ver com “cultos” extravagantes de um pseudopentecostalismo que domina o imaginário evangélico brasileiro. Mesmo existindo grupos fundamentalistas que rejeitam os pentecostais, é louvável o crescimento da influência teológica do pentecostalismo em relação a pessoa do Espírito Santo, ao qual o teólogo Francis Chan chamou de o “Deus esquecido”. Os pentecostais são aqueles que lembraram... Eis o grande benefício do pentecostalismo para o cristianismo.

Karl Barth, inclusive, comemorou o fato do Espírito de Deus e sua obra não cair no esquecimento do cristianismo contemporâneo:

Podemos declarar como auto-evidente que, quando falamos do Espírito Santo da mesma maneira como os profetas e os apóstolos o fizeram, estamos falando no mesmo sentido enfático e completo como quando falamos do próprio Deus. Os primeiros séculos após a era apostólica foram muito tardios em alcançar clareza sobre isto, do que em consideração à divindade de Cristo. E é bastante significante que, o mais novo protestantismo tenha, largamente, retornado à prática de falar do Espírito Santo como um poder espiritual pertencendo à história e carregando todas as marcas da humanidade. (grifo meu) [2]

É claro que o Consolador atua para apontar a Cristo, mas a pessoa e a obra do Espírito Santo não pode ser esquecida. O pentecostalismo trouxe de volta uma teologia do Espírito Santo, sendo assim, beneficiou a igreja cristã como um todo, pois como lembra Alister McGrath: “A atual redescoberta dos dons espirituais está relacionada ao movimento conhecido como pentecostalismo” [3]

Os pentecostais como alunos

Não só o pentecostalismo ensinou a cristandade a desejar os dons espirituais, como os pentecostais voltam para as igrejas tradicionais em busca de ensinamento e teologia consolidada. Os pentecostais sabem que o cristianismo não nasceu com William Seymour e nem mesmo com Lutero, mas que é uma história de dois mil anos. O senhor Jesus disse que sua Igreja nunca acabaria. Hoje, os pentecostais estão se voltando para a academia e deixando de lado o anti-intelectualismo que caracterizou o movimento por muitos anos. Em universidades como Mackenzie e Metodista, algumas salas tem os pentecostais como a maioria dos alunos.

Ou seja, assim deveria ser a cristandade como um todo. Um aprendendo com o outro, não somente os acertos, mas evitando os erros. O pentecostalismo só crescerá nos estudos produzidos no decorrer de dois milênios de cristianismo, assim com os demais cristãos serão beneficiados com a redescoberta da obra[4] operada pelo Espírito Santo.

Referências Bibliográficas:

[1] CAVALCANTI, Robinson. Pseudopentecostais e a distorção da Reforma. Blog Teologia Pentecostal, São Paulo, novembro de 2008. Disponível em: <http://teologiapentecostal.blogspot.com/2008/11/pseudo-pentecostais-e-distoro-da.html Acesso em: 21 ago. 2010.
[2] BARTH, Karl. Credo: Comentários ao Credo Apostólico. 1 ed. São Paulo: Novo Século, 2005. p 180.
[3] MCGRANTH, Alister E. Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica: Uma Introdução à Teologia Cristã. 1 ed. Shedd Publicações, 2005. p 161.
[4] Para um estudo resumido sobre os dons espirituais, leia o verbete “Dons do Espírto”, pelo teólogo pentecostal Gordon Donald Fee, em: HAWTHORNE, Gerald F. E MARTIN, Ralph P. Dicionário de Paulo e Suas Cartas. 1 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, Paulus e Edições Loyola, 2008. p 410- 420.

4 comentários:

Robson disse...

Oi, Cleison, eu vi seu comentário que você tem se curvado ao calvinismo. Mas conta como está sendo isso! Você com certeza tem gostado dos textos do Voltemos ao Evangelho, não é? Já se considera um calvinista de 5 pontos?

Acha que pode mesmo haver reconciliação entre o calvinismo e o pentecostalismo? Aliás, a maior birra que os protestantes históricos tem com o pentecostalismo, não é tanto em relação às línguas, mas ao fato de que vocês consideram que o batismo no ES é um evento distinto da conversão, fazendo o crente achar que "tem coisa melhor ainda do que ser salvo". E além disso, há o fator histórico, ou seja: "O ES passou 18 séculos sem batizar ninguém e só acordou no século XX?"

São pontos a considerar.

Cleison Brugger disse...

A paz, querido Robson; prazer tê-lo aqui!
Realmente, tenho me curvado ao pensamento calvinista. Depravação total, graça irresistível, predestinação são alguns dos pontos que ultimamente tem borbulhado em minha cabeça. Não, ainda não me considero um "calvinista de 5 pontos", mas digo que deixei de ser arminiano (risos). Não somente os textos do Voltemos ao Evangelho, como muitíssimos blogs de linha reformada expalhados pela web, me tem feito pensar muito sobre este "novo pensamento antigo". Como fui criado na Assembléia de Deus (igreja na qual ainda hoje sou membro), é difícil para mim aceitar de cara os 5 pontos, já que desde a infância, sou membro desta denominação, e não tive nenhum contato com calvinismo, me impregnando do pensamento arminiano.
Sei que há um "preconceito reformado" em relação aos pentecostais, mas creio que experiências não se podem apagar, e a experiência que tive ao ser batizado no ES, com o fato externo de falar em outras línguas, não pode ser omitida. Ela aconteceu e ainda hoje acontece! contudo, jamais crerei que exista bênção maior do que a salvação, e embora esta preceda aquela, creio que ambos são indissociáveis. Não há batismo no ES sem conversão, como também não há pentecostes sem a cruz.

Espero que possamos conversar mais vezes sobre isso, pois muito me interessa.

Amplexos.

Robson disse...

hehehehe, tive que procurar o significado de "amplexo", nunca tinha ouvido falar nisso!

Esse assunto me interessa também. Eu me coloco como um calvinista que tem preconceitos com pentecostais, mas reconheço que posso estar errado.

Se puder disponibilizar um meio de conversarmos, eu gostaria muito!

Abraço! (amplexo não!)

Cleison Brugger disse...

Desculpe minha mania de querer falar difícil! (risos).

Na verdade, nestes últimos anos, eu também tenho tido preconceito com os pentecostais, e não só eu, como alguns outros que não separaram a fé da razão. Por exemplo, o Bp. Walter MacAlister, líder da antiga Igreja Pentecostal de Nova Vida (hoje Igreja Cristã Nova Vida), tirou o nome "pentecostal" da denominação que lidera, pois declarou que o mesmo não pode mais ser usado com tanta honra.

Se deres um passeio por este blog, verás que sou contra muitas bizarrices que tem acontecido neste movimento, e assim, tenho me colocando como um "anti-pentecostal" convicto.

No mais, tenho alguns amigos pentecostais aqui na web, que penderam ao calvinismo e hoje são "calvinistas pentecostais" convictos, se é que assim podem ser chamados. Creio que o próximo seja eu..

na lateral direita do blog, na ala "editor do blog" tem os meus e-mails. terei muito prazer em conversar com o amado!

Abraços!!

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