Posto aqui um EXCELENTE texto escrito
por Gutierres Siqueira, ao
blog Cristo e Liberdade, do presbiteriano André Tadeu.
Em 1901 nascia o pentecostalismo moderno com o metodista Charles Fox Pahram. Mas 1906, com os cultos dirigidos por William Joseph Seymour, um descendente de escravos, o pentecostalismo se popularizou no mundo a partir de Los Angeles, nos Estados Unidos. No decorrer da história cristã, vários foram os momentos onde a manifestação dos dons espirituais aconteceram, mas a consolidação doutrinária e prática dos carismas se deu com o pentecostalismo de Seymour. Este artigo trata do crescente benefício para cristãos tradicionais e pentecostais de um diálogo sobre a manifestação do Espírito Santo na contemporaneidade.
Da rejeição ao abraço
O pentecostalismo nascente não teve boa recepção pelas igrejas tradicionais. O pioneiro William Seymour e sua turma eram espontâneos e barulhentos, além disso aceitavam ampla participação de leigos e mulheres na liturgia. Outro grande escândalo foi a associação de negros e brancos que louvavam a Deus juntos! No meio do racialismo reinante na Califórnia do início do Século XX, Seymour e os demais frequentadores dos cultos na Azuza Street quebraram muitos paradigmas. Não é à toa que a oposição ao pentecostalismo nas igrejas tradicionais não era mera discordância doutrinária, mas uma reação contra essas novidades.
Mas o tempo passou. O pentecostalismo mudou para melhor e para pior. As igrejas tradicionais também mudaram. O fundamentalismo cessacionista perdeu espaço, e poucos ainda associam o falar em línguas com uma ação demoníaca, como fez John MacArthur Jr no livro Carismáticos (Editora Fiel). E teólogos reformados como Vincent Cheung já sabem distinguir a teologia pentecostal produzida por nomes sérios como Donald Gee e Gordon Fee, das bizarrices de Kenneth Hagin e Benny Hinn.
Outros exemplos mostram com a pregação pentecostal ganhou espaço no protestantismo histórico. Wayne Gruden é um teólogo reformado que pode ser chamado de pentecostal, pois sua teologia dos dons espirituais é claramente aberta. O neocalvismo, do emergente Mark Driscoll, também abraça os dons espirituais como prática contemporânea. No Brasil, denominações evangélicas tradicionais, como a Igreja Presbiteriana Independente e Diocese Anglicana de Recife aceitam o valor dos dons espirituais para o exercício no culto. Não são igrejas que se tornaram “renovadas”, mas que deixaram o cessacionismo como teologia oficial. No contexto batista, por exemplo, o Rev. Enéas Tognini, pioneiro do movimento de renovação, é pastor emérito da Igreja Batista de Perdizes.
Em entrevista para o Blog Teologia Pentecostal, o bispo anglicano Robinson Cavalcanti afirmou:
A grande maioria dos líderes de peso na Comunhão Anglicana creem na contemporaneidade dos dons espirituais, temos um Movimento Anglicano de Renovação (Carismática), e a Conferência de Lambeth (que reúne os bispos do mundo inteiro) já aprovou uma Resolução nos exortando a uma aproximação positiva com o mundo pentecostal. Em nossa Diocese do Recife quase todo mundo é “mussarela e calabresa”, ou seja, meio histórico e meio renovado... [1]
Outros exemplos de interação podem ser mencionados. Hoje, vários eventos no país contam com presbiterianos e assembleianos juntos, o que mostra o avanço de ambos os lados. Anglicanos buscam os dons conforme orientação paulina (cf. 1 Co 14), enquanto pentecostais leem John Stott, J. I. Packer, C. S. Lewis e outros teólogos da igreja inglesa. Metodistas louvam cânticos de grupos advindos do pentecostalismo, enquanto pentecostais relembram suas raízes teológicas wesleyanas. E hoje há até um crescente movimento de pentecostais calvinistas.
A “Reforma Pentecostal”: Relembrando o Espírito Santo
A “reforma pentecostal” lembrou aos protestantes tradicionais que o Espírito Santo e a sua manifestação carismática não poderiam ser deixados de lado. A manifestação dos dons é uma expressão de comunhão, não tendo nada a ver com “cultos” extravagantes de um pseudopentecostalismo que domina o imaginário evangélico brasileiro. Mesmo existindo grupos fundamentalistas que rejeitam os pentecostais, é louvável o crescimento da influência teológica do pentecostalismo em relação a pessoa do Espírito Santo, ao qual o teólogo Francis Chan chamou de o “Deus esquecido”. Os pentecostais são aqueles que lembraram... Eis o grande benefício do pentecostalismo para o cristianismo.
Karl Barth, inclusive, comemorou o fato do Espírito de Deus e sua obra não cair no esquecimento do cristianismo contemporâneo:
Podemos declarar como auto-evidente que, quando falamos do Espírito Santo da mesma maneira como os profetas e os apóstolos o fizeram, estamos falando no mesmo sentido enfático e completo como quando falamos do próprio Deus. Os primeiros séculos após a era apostólica foram muito tardios em alcançar clareza sobre isto, do que em consideração à divindade de Cristo. E é bastante significante que, o mais novo protestantismo tenha, largamente, retornado à prática de falar do Espírito Santo como um poder espiritual pertencendo à história e carregando todas as marcas da humanidade. (grifo meu) [2]
É claro que o Consolador atua para apontar a Cristo, mas a pessoa e a obra do Espírito Santo não pode ser esquecida. O pentecostalismo trouxe de volta uma teologia do Espírito Santo, sendo assim, beneficiou a igreja cristã como um todo, pois como lembra Alister McGrath: “A atual redescoberta dos dons espirituais está relacionada ao movimento conhecido como pentecostalismo” [3]
Os pentecostais como alunos
Não só o pentecostalismo ensinou a cristandade a desejar os dons espirituais, como os pentecostais voltam para as igrejas tradicionais em busca de ensinamento e teologia consolidada. Os pentecostais sabem que o cristianismo não nasceu com William Seymour e nem mesmo com Lutero, mas que é uma história de dois mil anos. O senhor Jesus disse que sua Igreja nunca acabaria. Hoje, os pentecostais estão se voltando para a academia e deixando de lado o anti-intelectualismo que caracterizou o movimento por muitos anos. Em universidades como Mackenzie e Metodista, algumas salas tem os pentecostais como a maioria dos alunos.
Ou seja, assim deveria ser a cristandade como um todo. Um aprendendo com o outro, não somente os acertos, mas evitando os erros. O pentecostalismo só crescerá nos estudos produzidos no decorrer de dois milênios de cristianismo, assim com os demais cristãos serão beneficiados com a redescoberta da obra[4] operada pelo Espírito Santo.
Referências Bibliográficas:
[1] CAVALCANTI, Robinson. Pseudopentecostais e a distorção da Reforma. Blog Teologia Pentecostal, São Paulo, novembro de 2008. Disponível em: <
http://teologiapentecostal.blogspot.com/2008/11/pseudo-pentecostais-e-distoro-da.html Acesso em: 21 ago. 2010.
[2] BARTH, Karl. Credo: Comentários ao Credo Apostólico. 1 ed. São Paulo: Novo Século, 2005. p 180.
[3] MCGRANTH, Alister E. Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica: Uma Introdução à Teologia Cristã. 1 ed. Shedd Publicações, 2005. p 161.
[4] Para um estudo resumido sobre os dons espirituais, leia o verbete “Dons do Espírto”, pelo teólogo pentecostal Gordon Donald Fee, em: HAWTHORNE, Gerald F. E MARTIN, Ralph P. Dicionário de Paulo e Suas Cartas. 1 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, Paulus e Edições Loyola, 2008. p 410- 420.