9 de novembro de 2010

Ordem e decência na liturgia carismática

Originalmente extraído do blog  Teologia & Graça, mas retirado por mim do blog Olhar Reformado


Por Esdras Costa Bentho

I Coríntios 14.1-40

Introdução

O capítulo 14 de 1 Coríntios é uma terceira abordagem da mesma problemática desenvolvida nos capítulos 12 e 13. Observe que o capítulo inicia-se com o verbo imperativo "diōkete"[1], em vez de um conectivo. No capítulo 12, o apóstolo dos gentios descreve os dons espirituais classificando-os em: [v.4] "diversidade de dons" (diaire,seij de. carisma,twn); [v.5] "diversidade de ministérios" (diaire,seij diakoniw/n); [v.6] "diversidade de operações" (diaire,seij evnerghma,twn). A ênfase está na unidade e diversidade dos carismas. No capítulo 13, Paulo, embora exorte os crentes a buscarem os melhores dons (12.31), sobrepõe o amor aos carismas.

Todavia, neste capítulo, o apóstolo discute a relação entre os dons espirituais e a edificação da comunidade cristã. O tema (leitmotiv) da perícope acha-se no v. 26: "Faça-se tudo para edificação" [v.12]. O termo "edificar" (oivkodome,w) aparece sete vezes no capítulo [vv.3, 4, 5, 12, 17, 26]. O sentido básico é "construir", "eregir", "construir". De acordo com Vine, procede de "oikos" (oivkoj) e "demō" (demw), literalmente "construir uma casa" e, metaforicamente, "promover o crescimento espiritual e o desenvolvimento do caráter"[2].

Contexto Histórico e Propósitos

As religiões de mistérios multiplicaram-se nos domínios greco-romanos. Os adeptos desses cultos eram conhecidos pelos seus "dotes espirituais", "transes", "glossolalia", "visões", e seus iniciados eram chamados de "pneumatikos" (pneumatiko,j), "pessoas espirituais".

Variegados membros dessas religiões converteram-se ao Evangelho e, não poucos, estavam presentes na comunidade cristã de Corinto (1 Co 12.1). Neste contexto sócio-religioso, as manifestações espirituais na igreja moviam-se entre o exibicionismo e a soberba espiritual, provocando uma balbúrdia e distorção dos carismas. No epicentro desta querela estavam os "profetas", dotados do carisma da profecia, e os "glossolalos"[3], que falavam em variedades de línguas [vv. 3,4]. Portanto, Paulo escreve com o propósito de:


1) distinguir o valor didático e coletivo da glossolalia e da profecia [vv.1-9];


2) apresentar a função didática dos carismas no culto [vv.12-19];


3) exortar à maturidade [v.20];


4) descrever ambos os dons como sinal (shmei/o,n) na liturgia [vv.22-25];


5) solicitar ordem na liturgia [vv.26-40].

Estrutura

O capítulo está dividido em quatro seções:

1) vv.1-25: Distinções, propósitos e superioridade do carisma profético;


2) vv.26-35: A liturgia e a regulamentação dos carismas;


3) vv.36-38: Autoridade paulina;


4) vv. 38,39: Síntese do discurso.

Comentário e Aplicação

O culto, tanto no Antigo ('ābad) quanto em o Novo Testamento (latreuō), significa "servir", "serviço", referindo-se à liturgia sagrada oferecida ao Senhor (Êx 20.5; Mt 3.10). O culto é um serviço de gratidão e adoração a Deus por todas as bênçãos salvíficas (Sl 116.12,13). A pessoa principal da liturgia cristã não é o crente carismático, mas o Senhor Jesus Cristo (Ap 15.3,4). Além de adorar a Deus, o culto tem como propósito a edificação da comunidade redimida [vv.4,5,12s].

A liturgia da igreja primitiva era dinâmica, espontânea e com manifestações periódicas dos carismas concedidos pelo Espírito Santo (Rm 12.6-8; 1 Co 12.4-11, 28-31). Os cultos da igreja de Corinto eram carismáticos (1 Co 12; 13; 14), pois todas as manifestações do Espírito, as diversidades de ministérios e de operações, encontravam-se naquelas reuniões (1 Co 12.4-6). Porém, a igreja estava envolvida em diversas dissensões e litígios (1 Co 1.10; 6.1-11); pecados morais (1 Co 5) e, principalmente, desordem no culto de adoração a Deus (1 Co 11.17-19; 14.26-35). A desordem era tal que o próprio culto tornou-se um entrave ao progresso espiritual dos crentes. Eles eram imaturos e carnais (1 Co 3.1-4).




[1] Literalmente "ir após com persistência". Ver MORRIS, Leon. I Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1981, p. 153. Série Cultura Bíblica.
[2] VINE, W. E. (et al.) Dicionário Vine. 7.ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2007, pp.582-3.
[3] Tradução do v.3 feita por G. Barbaglio da expressão grega "ho lalōn glōsse(i)" (o` lalw/n glw,ssh|), Ver BARBAGLIO, G. As cartas de Paulo (I). São Paulo: Loyola, 1980, p. 339, Bíblica Loyola 4.

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